quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Um Perfil

Externam-se sentimentos que acabam sendo internados.
Um presente esquecido por um passado lembrado e assim um futuro perdido.
O isolamento pela ausência do outro, a solidão pelo acúmulo de alguéns.
Um sorriso buscando a pureza da infância em um corpo já poluído pelos anos de uma vida adulta. O perdão concedido pela boca sem a permissão do coração, o arrependimento pelo coração calado na garganta.
Uma corrida em busca do consolo, uma fuga do contato.
Gritos quando se deve calar e somente escutar, silêncios no momento exato de se manifestar.
Uma lágrima fruto da felicidade, um riso ardendo em ódio.
A dor alheia enternece e a própria machuca, mas nem toda alegria do outro se torna a de si.
Uma aceitação da efemeridade, uma oposição ao imutável.
Olhares profundos às vezes vistos apenas superficialmente.
Uma prisão livre, uma liberdade aprisionada.
A dúvida entre sim e não, certo e errado, iguais e diferentes.
Uma sintaxe rebuscada vazia de significado, uma fala simples cheia da sabedoria pela vivência.
A polissemia, a variação de notas e tons, a busca pelo jogo de luzes perfeito.
Um dom com as letras, com os sons, com as imagens.
A esperança do talvez, o desespero do nunca.
Uma busca incessante pelo equilíbrio que não se sabe como alcançar, uma luta pelo estado de espírito desejado.
Contradições, negações e relutâncias mais do que cotidianas - reflexos dos choques entre essência e matéria, mundos real e onírico.
Um múltiplo, múltiplos uns.
Eu, vocês – nós.

domingo, 5 de dezembro de 2010

Contato Interior

Há muitas coisas que eu gostaria de falar, dividir com alguém. Realmente há.
Todavia, nada falo enquanto tudo penso, tudo sinto.
Não ache que eu nunca tenha tentado me abrir, pelo contrário. Perdi a conta de quantas vezes me abri pela metade, um pouco mais ou um pouco menos; outras tantas não pude nem começar. Exitei, tremi internamente.
E temi. Só não tente descobrir o porquê, nem com perguntas, nem com cogitações - já não sei mais os motivos que me levaram a atitudes animalescas como essas.
Sim, animalescas. O uso da linguagem para se relacionar, externar sentimentos e pensamentos, é inerente do homem como ser pensante. A partir do momento em que me fecho e me isolo numa espécie de concha ou carapaça imaginária passo a inibir minha humanidade e deixar meu lado animal prevalecer. Condiciono atitudes às impressões e sensações que tenho a partir de um instinto de sobrevivência um tanto quanto suspeito, baseado em lembranças.
O problema está aí, memória. Apesar de não ser alguém com privilégios nesse ramo, tenho grandes problemas em deixar o passado ser apenas isso, passado. Posso não me recordar de detalhes, situações específicas - o que não quer dizer que não possa lembrar. Sei que aquilo me faz mal; se eu fizer isso inúmeros problemas surgirão; se falar o que sinto não gostarei do que virá em seguida. Minha memória consciente é ignorante nesses casos, quem me comanda em momentos como esse é minha parte inconsciente, meu eu latente que tenta se mostrar mas não consegue.
Então eu fico aqui. Situações me prendem ao passado enquanto outras me levam ao futuro; uma vontade louca de ter uma constância mesmo que mínima ao mesmo tempo em que raros fatos e/ou pessoas conseguem me manter interessada por tempo suficiente para que eu continue por determinado caminho.
Norte? Aqui dentro não há desejo pelo norte, pelo caminho traçado, seguro, correto, fácil. Quero o oeste, ver o por do sol a partir do cume da montanha. Uma montanha que levei anos para conseguir escalar, aquela em que tantas e tantas vezes cheguei a soltar uma das mãos por não ter mais certeza do que me incentivou a ir até lá; a escalada ajudada por um lado meu e dificultada pelo outro; o caminho percorrido acompanhada mesmo estando sozinha e sem ninguém embora pudesse ver outros à minha volta.
Sei que pouco ou nada anteriormente dito fez sentido para os que estão do lado de fora de mim. A intenção não era esclarecer atitudes, momentos bipolares, confraternizações ou isolamentos. Era escrever. Escrever para mim e por mim, nada mais nem nada menos.
Escrever me acalma, distrai-me. Quando meu interior precisa desabafar assim, o sentido externo é o de menos - o que importa é que o primeiro esteja em paz, ou ao menos perto de assim estar.